terça-feira, julho 10, 2007

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SONO

Por Antônio Maria*

A pessoa que dorme está inteiramente só.
Quando o homem dorme, o seu rosto se desmarca de todas as tramas e de todos os desgostos.
Nada enternece mais uma mulher que o rosto do amante, dormindo.
Ela se debruça sobre a face do amado e descobre que eram simples palavras todas as valentias que ele lhe vinha dizendo ou dando a entender.

É quando a gente se parece menos com os mortos... é quando se está dormindo.
Quanto mais pobre mais comovente o ser humano que dorme. No sono, a imobilidade das pessoas boas e confiantes é sempre desarrumada.

Gente má dorme em posição de sentido.
Cada travesseiro tem um lugar e uma importância definidos na vigência do sono.
Não há nenhum abandono casual, nas pernas, nos braços ou na cabeça de quem dorme, porque o corpo realiza, desde que haja espaço, sua única posição realmente confortável.

Experimente descobrir na mulher que dorme a seu lado, um ser infinitamente decente, muito além de sua capacidade de fazer-lhe uma razoável justiça.

Quanta luz nos corpos despidos das mulheres claras!
Seria uma demasia de requinte ou de louvação, fazê-las dormir sobre lençóis negros?
A mais leve carícia de sua mão sobre o corpo da amada que dorme poderá quebrar a solidão do sono e a tranqüilidade da carne já não seria completa (contente-se em enternecer-se, sem tocá-la).

Se for preciso despertá-la, que seja com ruídos aparentemente casuais.

Ah, que intensos ciúmes, no passado e no futuro, sobre a nudez da amada que dorme! Só você a viu, só você a verá assim tão bela!

Nas mulheres que dormem vestidas há sempre, por menor que seja, um sentimento de desconfiança.
A amada tem sob os cílios a sombra suave das nuvens.
Seu sossego é o de quem vai ser flor, após o último vício e a última esperança.

Um homem e uma mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta.
Mas, já que é isso impossível, que ao menos chova, a noite inteira, sobre os telhados dos amantes.

<*Texto extraído do livro O Jornal de Antônio Maria. Editora Saga - Rio de Janeiro, 1968, pág. 42.>

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